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sexta-feira, 25 de março de 2011

O casal perfeito...



 

A solidão dos homens tem a medida da solidão de suas mulheres.
Isso eu disse
e escrevi
- e repito -
em dezenas de palestras por este país afora.

Aí me pedem para escrever sobre o casal perfeito:
bom para quem gosta de desafios.

O casal perfeito seria o que sabe aceitar
a solidão inevitável do ser humano,
sem se sentir isolado do parceiro
- ou sem se isolardele?
O casal perfeito seria
o que entende,
aceita,
mas não se conforma,
com o desgaste
de qualquer convívio
e qualquer união?

Talvez se possa começar por aí:
não correr para ocasamento, o namoro, o amante
(não importa)
imaginando que agora serão solucionados
ou suavizados todos os problemas
- a chatice da casa dos pais, as amigas
ou amigos casando e tendo filhos,
a mesmice do emprego, chegar sozinha às festas
e sexo difícil e sem afeto.

Não cair nos braços do outro como quem cai
na armadilha do"enfim nunca mais só!",
porque aí é que a coisa começa a ferver.
Conviver é enfrentar o pior dos inimigos, o insidioso,
o silencioso, o sempre à espreita, o incansável:
o tédio, o desencanto, esse inimigo de dois rostos.


Passada a primeira fase de paixão
(desculpem, mas ela passa,
o que não significa tédio nem fim de tesão),
a gente começa a amar deoutro jeito.
Ou a amar melhor; ou, aí é que a gente começa a amar.
A quererbem; a apreciar; a respeitar; a valorizar;
a mimar; a sentir falta; a conceder espaço;
a querer que o outro cresça e não fique grudado na gente.

O cotidiano baixa sobre qualquer relação
e qualquer vida, com a poeira do desencanto
e do cansaço, do tédio.
A conta a pagar,
a empregada que não veio,
o filho doente,
a filha complicada,
a mãe com Alzheimer,
o paideprimido
ou simplesmente o emprego sem graça
e o patrão de mau humor.

E a gente explode e quer matar e morrer,
quando cai aquela última gota
- pode ser uma trivialíssima gota -
e nos damos conta:
nada mais é como era no começo.

Nada foi como eu esperava.
Não sei se quero continuar assim,
mas também não sei o que fazer.
Como a gente não desiste fácil,
porque afinal somos guerreiros
ou nem estaríamos mais aqui,
e também porque
há os filhos,
os compromissos,
a casa,
a grana
e até ainda o afeto,
é preciso inventar
um jeito de recomeçar,
reconstruir.

Na verdade devia-se reconstruir todos os dias.
Usar da criatividade numa relação.
O problema é que,
quando se fala em criatividade numa relação,
a maioria pensa logo em inovações no sexo,
mas transar é o resultado,
não o meio.
Um amigo disse no aniversário de sua mulher
uma das coisas mais belas que ouvi:

"Todos os dias de nosso casamento
(de uns 40 anos),
eu te escolhi de novo como minha mulher".

Mas primeiro teríamos de nos escolher
a nós mesmos diariamente.
Ao menos de vez em quando
sentar na cama ao acordar, pensar:
como anda a minha vida?
Quero continuar vivendo assim?
Se não quero,
o que possofazer para melhorar?
Quase sempre há coisas a melhorar,
e quase sempre podem ser melhoradas.
Ainda que seja algo bem simples;
ainda que seja maiscomplicado,
como realizar o velho sonho de estudar,
de abrir uma loja,
de fazer uma viagem,
de mudar de profissão.

Nós nos permitimos muito pouco
em matéria de felicidade,
alegria,
realização
e sobretudo abertura com o outro.
Velhos casais solitários
ou jovens casais solitários
dentro de casa são terrivelmente tristes
e terrivelmente comuns.
É difícil?
É difícil.
É duro?
É duro.
Cada dia,
levantar
e escovar os dentes
já é um ato heróico,
dizia Hélio Pellegrino.

Viver é um heroísmo,
viver bem um amor mais ainda.
O casal perfeito talvez seja aquele
que não desiste de correr atrás do sonho
de que, apesar dos pesares,
a gente, a cada dia,
se escolheria novamente,
e amém.


Autoria:  Lya Luft

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