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segunda-feira, 4 de abril de 2011

A melhor arte...





Eu não havia marcado hora pra viver aquele instante. Ele não estava anotado na agenda da minha expectativa. Não utilizei o tempo dos olhos na direção de calendários e relógios por aguardá-lo. Não me preparei para recebê-lo. Aconteceu de repente, feito chuva derramada de improviso, sem que o céu revele antecipadamente o seu desejo em alto e bom som. Quando percebi, eu estava lá e ele era perfeito. Quando percebi, eu era aquele instante e ser aquele instante era contemplar a nítida e rica paisagem que ele me convidava a experimentar. Era me sentir viva e isso é uma felicidade imensa. Pode haver algo mais estranho do que um ser vivo se apoderar da própria vivacidade apenas de vez em quando, somente em circunstâncias chamadas de especiais? Costumamos fazer isso.

Durante alguns segundos, parei o que estava fazendo para fotografar com o sentimento o repentino contato com uma felicidade refletida também no ambiente, mas que começava em mim, eu tinha certeza. Era porque estava feliz que as coisas que me rodeavam se mostravam felizes. Cada uma com o seu jeito de dizer a alegria. Cada uma com o seu modo de me espelhar. Se outra pessoa, fora daquela freqüência de contentamento, chegasse ali naquele instante, é provável que não visse coisa alguma que justificasse a minha emoção. A mágica começa no mágico, não naquilo que ele toca. Os olhos nos falam do que o coração vê, não tem outra maneira.

Muitas vezes esperamos viver momentos felizes com ares de solenidade, como se existisse todo um cerimonial a ser cumprido para sermos merecedores de experimentá-los. Nós nos acostumamos a imaginar a felicidade sempre afastada do instante presente por quilômetros que precisamos percorrer, quase sempre com esforço e sacrifício, para sermos capazes de finalmente encontrá-la e, cansadíssimos, olhá-la nos olhos. Não é bem assim que parece funcionar. Quando buscamos a felicidade com essa perspectiva, a cada meta alcançada ela tende a se deslocar para outra distância e, muitas vezes sem perceber, nos dedicamos a buscá-la sempre lá longe, sem a oportunidade de habitar o mesmo lugar onde ela se encontra.

A felicidade precisa estar onde nós estamos, não importa quantos sonhos ainda temos para passar a limpo com as nossas ações. Não importa o tanto de realizações que ainda podemos concretizar. Não importa quantas pendências nos aguardam. Ou ela está onde nós estamos ou não está em lugar nenhum, porque o daqui a pouco não existe além da nossa intenção. Há um único instante para sermos felizes, apesar de um bocado de coisas: este aqui. Os outros podem vir, esperamos que venham, mas, seguramente, não sabemos se virão. A melhor maneira de ser infeliz é acreditar que só se pode ser feliz quando e se.

Naquele instante, naquele lá que eu vivi, eu nem estava pensando na felicidade. Estava distraída, cozinhando ou isso que chamo sem cuidado de cozinhar, um CD de Madeleine Peyroux tocando na sala, um incenso gostoso dizendo seu perfume ao ambiente, a luz de uma luminária brincando de lua numa noite de eclipse. Era isso. Só isso. Tudo isso. E quando eu percebi, eu era feliz. Naquele instante, ri como uma criança faz ao saborear a delícia da própria travessura. Ser feliz é a melhor arte que podemos nos flagrar aprontando. Quando estamos relaxados fica mais fácil sentir que a alegria não vem só do brinquedo: começa em quem brinca. Nós, adultos, nos esquecemos que a felicidade já é. Que está disponível mesmo quando não conseguimos acessá-la. Que mora nas coisas mais simples do mundo. Essas aqui, bem próximas do nosso alcance, agora.

Autoria: Ana Jácomo

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